13 de junho de 2005

Eugénio de Andrade 1923 - 2005

crónica

Hoje sinto-me mais pobre, porque o meu poeta favorito morreu. Desde cedo, encontrei na poesia uma estranha forma de viver num mundo paralelo feito de sentimentos, emoções e sensações que nem sempre expressamos neste mundo em que vivemos. Recordo-me que descobri Eugénio e a sua terna simplicidade por volta dos meus catorze ou talvez quinze anos... A minha prima apresentou-me uma antologia que levei para ler e que se pudesse tinha transcrito integralmente. Acabei por ser sensata e transcrevi apenas, à mão, alguns dos poemas mais belos que jamais tinha lido. Uma das memórias mais intensas talvez seja que "São como um cristal,/as palavras./Algumas, um punhal,/um incêndio./Outras,/orvalho apenas." Por isso, guardei-as num livro que reabria ao ritmo da própria vida.

Mais tarde, para a disciplina de Português, acabei por estudar cada verso de "Poema à Mãe" e mergulhei num universo tão perto e tão longe daquele que temos dentro de nós: a problemática da relação filho-mãe. E quando me magoava numa espécie de história de amor lembrava-me que "O amor é uma ave" e chorava... Ouvi dizer, por parte de conceituados doutorados, que Herberto Hélder era o maior poeta português vivo. Para mim, talvez hoje seja possível dizê-lo (ainda com a relutância que se deve ter face a estas tentativas de estabelecer verdades universais), agora que perdemos Eugénio e Sophia. Num trabalho recente, voltei a reencontrar Eugénio e um poema seu foi escolhido para encerrar uma colectânea de poemas. Porque me impressionou, quase que termino assim... "As gaivotas. Vão e vêm. Entram/pela pupila./Devagar, também os barcos entram./Por fim o mar./Não tardará a fadiga da alma./De tanto olhar, tanto/olhar."

Mas entretanto relembro que, apesar das palavras estarem gastas, só "Adeus" consegue exprimir a necessidade e a inevitibilidade desta despedida. "Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes./E eu acreditava./Acreditava,/porque ao teu lado/todas as coisas eram possíveis." Adeus, Eugénio. Reencontramo-nos na leitura da obra, porque apenas a obra pode ser eterna.

Ana Filipa Gaspar

Sugestões para descobrir ou reencontrar Eugénio de Andrade:

A Rota dos Escritores - Eugénio de Andrade

CITI - Literatura

Instituto Camões - Contemporâneos

Instituto Camões - Eugénio de Andrade

Instituto Camões - Poema da Semana

Poemas de Eugénio de Andrade

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Público.pt - Última Hora

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