11 de dezembro de 2005

Um sucesso chamado "O Crime do Padre Amaro"

crónica

Até dia 29 de Novembro, "O Crime do Padre Amaro", de Carlos Coelho da Silva, foi visto por 218.500 espectadores. Este valor coloca-o entre os cinco filmes portugueses mais vistos de sempre, nomeadamente "Tentação", de Joaquim Leitão, "Adão e Eva", do mesmo realizador, "Zona J", de Leonel Vieira, e "Jaime", de António Pedro Vasconcelos. A pergunta que se torna necessária fazer é "porquê?"

Entre os últimos filmes portugueses que tive oportunidade de ver recentemente nas salas de cinema, "O Crime do Padre Amaro" é, na minha opinião, um dos piores - o argumento não é coeso, o ritmo veloz que chegou a ser elogiado resulta de cortes abruptos que deixam o espectador perdido, ao ponto de ter como única orientação temporal a gravidez de uma das personagens. É certo que adapta uma obra maior da literatura portuguesa, mas fá-lo livremente, dando um novo rumo à própria caracterização, contexto e destino das personagens. Confesso que me senti defraudada quando vi o filme, especialmente depois da excelente adaptação de "El Crimen del Padre Amaro", realizado em 2002 pelo mexicano Carlos Carrera. Para mim, prova que o argumento continua a ser a maior fragilidade do cinema português - por vezes, a ideia é muito boa (veja-se "A Mulher que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos da América), a qualidade dos actores é elevada, mas mesmo assim algo parece falhar.

Os pontos "fortes" d' "O Crime". É certo que o filme do português Carlos Coelho da Silva conta com o apoio da SIC, estação televisiva onde será transmitido mais tarde, depois de ter esgotado ao máximo as receitas das bilheteiras das salas de cinema, numa mini-série que, espero, talvez tenha mais sentido, porque inclui tudo aquilo que não coube em 100 minutos. É certo que tem dois jovens sensuais como protagonistas, o padre Amaro (Jorge Corrula) e a sua Amélia (Soraia Chaves). É certo que tem hip-hop, gangs, rusgas policiais, que parecem pequenas cenas de outros filmes, nesse caso norte-americanos (tão mais comerciais que o cinema nacional). É certo que retrata negativamente a Igreja Católica e os seus ministros, ao ponto de se tornar mera caricatura. É certo que conta com bons desempenhos - como o de Rui Unas ou Nicolau Breyner. É certo que faz rir e são as poucas cenas de comédia que realmente ficam após os referidos 100 minutos. Contudo, será essa a fórmula do sucesso para o cinema português?

Eu preferia melhores argumentos, porque tudo o resto acaba por ser como o fogo de artíficio - é belo, mas termina rapidamente. E quem é que consegue descrever fielmente uma sessão de fogo de artíficio? Ficam apenas algumas cores, algumas formas. Valeria a pena perguntar aos espectadores de "O Crime do Padre Amaro" o que é que recordam do filme. E repetir a questão daqui a um ano. A meu ver, tudo começa mal quando aos nos primeiros minutos, a história principal é subitamente interrompida por uma história secundária, sem qualquer "raccord" perceptível. Falha gravemente. Ou talvez não, dizem os números.

Ana Filipa Gaspar

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